Desafios e oportunidades da Revolução Prateada


IBGE estima que de 2010 a 2050 o Brasil triplicará o número de pessoas acima dos 60 anos. Mas, no mundo, a população que deve mais crescer em números relativos é a de centenários, cuja proporção, em 2050, deve ser 10 vezes maior do que na década de 1990. No entanto, diz Alexandre Correa Lima, Palestrante, CEO da Mind Pesquisas e professor de Marketing da Fundação Getúlio Vargas, o mercado está “absurdamente despreparado” para atender a esse novo perfil populacional, havendo oportunidades em praticamente todos os segmentos e áreas. “A lista é infinita: de produtos financeiros até a cultura de um design universal que possa ser inclusivo para todos os tipos de consumidores”, observa o especialista em Demografia graduado pela Escola Avançada de Pesquisa de Mercado da Universidade da Geórgia (EUA), que ao longo dos últimos 25 anos conduziu e analisou inúmeras pesquisas sobre o assunto. Ao integrar a chamada “geração prateada” à força de trabalho, ficaria mais fácil desenvolver produtos e serviços que sejam condizentes com as demandas desse mercado. Afinal, pondera o estudioso nesta entrevista exclusiva, muito da inadequação entre as demandas dos sêniores e as ofertas do mercado vem do fato de que quem produz essa oferta entende muito pouco desse público, cabendo uma profunda reflexão a respeito da nova cara do consumidor brasileiro de hoje e do futuro. “Quem tem 60, 70 ou 80 anos sabe o que é ter 20, 30 ou 40 porque já viveu esses anos. A percepção inversa é uma abstração bem mais complexa”, diz o autor do livro “Pesquisas de Opinião” que atualmente desenvolve uma segunda obra sobre o tema da Economia da Longevidade.

Em que consiste a Economia da Longevidade?

Alexandre Correa Lima – A Economia da Longevidade é o nascimento de uma nova força econômica provocada pelo espetacular aumento da longevidade das pessoas. Nunca na história da humanidade tivemos uma expectativa de vida tão alta e taxas de natalidade tão baixas. Como consequência, temos um percentual cada vez maior de maduros na população dos países, e com enorme poder de consumo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a população sênior (50 anos ou mais) representa 46% do PIB e 65% da massa salarial.

Há alguma disponibilidade desses dados para o Brasil?

Alexandre Correa Lima – O Brasil ainda é um bocado carente de estatísticas mais robustas do target idoso, seja porque o País é carente num monte de coisa, seja pela pouca atenção que inexplicavelmente esse filão ainda desperta, mas posso citar alguns indicadores avulsos para não ficarmos apenas em exemplos “gringos”: dois em cada três lares brasileiros têm num sênior (50 anos ou mais) o principal provedor do lar e a renda média do público “prateado” é 40% maior do que a dos estratos mais jovens.

O senhor afirma que a pirâmide etária vai virar sorvete; por quê?

Alexandre Correa Lima – A distribuição etária da população sempre foi chamada de pirâmide porque ela sempre teve o mesmo formato: larga na base (onde estão representados os jovens) e cada vez mais estreita na parte superior (onde estão representadas as pessoas mais velhas). Só que, com as pessoas vivendo cada vez mais e os casais tendo cada vez menos filhos, a forma desse gráfico está se alterando dramaticamente, com a base ficando mais estreita e o meio e o topo mais alargados. Dentro de pouco tempo, o Brasil vai ter uma distribuição etária muito mais parecida com um sorvete do que com uma pirâmide.

Qual é a proporção da população com mais de 50 anos no Brasil e em que ritmo ela vem crescendo? Como esse crescimento se compara ao de outros países?

Alexandre Correa Lima – Hoje temos pouco mais de 23% da população brasileira com 50 anos ou mais, o que equivale a quase 50 milhões de brasileiros. Se fosse um país, estaria entre os 30 maiores do mundo. A população madura é a que cresce com maior velocidade no Brasil. O IBGE estima que ao longo de quatro décadas, de 2010 a 2050, o Brasil triplicará o número de pessoas acima dos 60 anos, passando de 19,6 para 66 milhões de idosos. Em outros países acontece o mesmo fenômeno, embora em estágios diferentes. O Japão envelheceu primeiro e depois se seguiram países da Europa, como Alemanha, Espanha e Portugal, por exemplo. Na África e no Oriente Médio, essa proporção ainda não é tão alta. Mas a tendência de envelhecimento é mundial. E quanto mais alta a idade, maior deve ser o crescimento relativo. Estima-se que a população mundial acima dos 65 anos cresça 427% mais do que o resto da população. Mas a população que deve mais crescer em números relativos é a de centenários: é possível que a proporção deles em 2050 seja 10 vezes maior do que na década de 1990.

Seria esse fenômeno ao qual o senhor se refere como a Revolução Prateada?

Alexandre Correa Lima – Sim, cunhei o termo Revolução Prateada para ilustrar esse fenômeno brasileiro e mundial, pois teremos cada vez mais pessoas com cabelo prateado em todo o mundo. Aliás, eu mesmo já posso me considerar no grupo dos prateados, embora ainda falte um pouco para meu primeiro meio século. Quais os principais desafios impostos por tal “revolução” no Brasil? Alexandre Correa Lima – Em primeiro lugar, temos que considerar que o Brasil envelheceu muito mais rápido que outras ações. A França levou 115 anos para dobrar sua população idosa, os EUA 69 anos, e o Brasil vai fazer a mesma curva num período muito mais curto, de apenas 21 anos. Para um País ainda subdesenvolvido, desigual e com o largo histórico de imprevidência e falta de planejamento, o desafio se torna um bocado maior. O envelhecimento populacional traz a reboque uma série de questões que precisa ser enfrentada, como os impactos nos sistemas de saúde e previdenciário, além das questões de mobilidade e acessibilidade, só para citar alguns exemplos mais óbvios.

E quanto às oportunidades?

Alexandre Correa Lima – Onde há desafios, há oportunidades, e elas são infinitas na Economia da Longevidade. O mer cado é tão absurdamente despreparado para atender a esse novo perfil populacional que é possível enumerar oportunidades em praticamente todos os segmentos e áreas.

Que segmentos e áreas seriam esses? Alexandre Correa Lima – Na área imobiliária é preciso pensar numa arquitetura mais amigável para a população idosa, com pisos antiderrapantes, luzes de orientação no chão, banheiros com barras de apoio e mobiliário adequado. No urbanismo, precisamos que as cidades do futuro estejam preparadas para a demografia do futuro. No varejo precisamos de lojas que acolham melhor esse perfil de consumidor, desde a disposição dos produtos nas prateleiras até tamanho de embalagem e das letras dos cartazes. A lista é infinita: de produtos financeiros até a cultura de um design universal que possa ser inclusivo para todos os tipos de consumidores. Mas talvez as maiores oportunidades estejam na fusão de tecnologia, Big Data, edição genética e Medicina, para que se tenha uma abordagem mais inteligente nos serviços de saúde. Há muita tecnologia disruptiva a caminho. Há quem diga que num futuro não muito distantes estaremos alargando nosso horizonte de vida para patamares inimagináveis, acima dos 150 anos. Acho que o primeiro passo é trazer esse assunto para a pauta da sociedade. Discutir. Debater. Pensar soluções em conjunto.

Como adaptar o mercado de trabalho a essa nova realidade?

Alexandre Correa Lima – O mercado de trabalho ainda é um bocado preconceituoso com o profissional acima dos 50 anos, com visões estereotipadas, como se esse profissional não fosse capaz de se atualizar, se motivar ou aprender novas tecnologias. E isso é um baita problema, porque com o aumento da longevidade, a lógica inevitável é que a gente alargue nossos horizontes laborais. E é possível sim permanecer produtivo e relevante após os 50. A quantidade de pessoas acima dessa idade com grande protagonismo social e econômico é enorme. O mais importante é que, ao integrar essa geração prateada na força de trabalho, fica mais fácil desenvolver produtos e serviços que sejam condizentes com as demandas desse mercado. Muito da inadequação entre as demandas dos sêniores e as ofertas do mercado vem do fato de que quem produz essa oferta entende muito pouco desse público. Quem tem 60, 70 ou 80 anos sabe o que é ter 20, 30 ou 40 porque já viveu esses anos. A percepção inversa é uma abstração bem mais complexa.

O senhor fez um estudo sobre a representação desse grupo (acima dos 50 anos) nos comerciais de TV. Poderia falar a respeito?

Alexandre Correa Lima – Conduzimos um levantamento, através da Mind Pesquisas, que analisou 761 comerciais veiculados nas cinco principais emissoras abertas do país, e o resultado foi contundente: em média, personagens desse grupo etário aparecem apenas em 1 a cada 3 comerciais veiculados. A participação no total de protagonistas dos comerciais é ainda menor, de apenas 12%, apesar de re presentarem quase o dobro na população brasileira: 23,4%. Mas essa distorção estatística nem é o fato mais relevante apontado pela pesquisa.

E qual seria o fato mais relevante?

Alexandre Correa Lima – Percebemos que não apenas o público sênior é sub-representado nos comerciais de TV, mas sobretudo que ainda está preso a categorias estereotipadas. Não é à toa que a categoria em que mais contabilizamos personagens sêniores foi o de cuidados com a saúde, como serviços fármaco-hospitalares e produtos um tanto caricatos, como remédios para disfunção erétil e fixadores de próteses dentárias. Não que haja problema em anunciar esse tipo de produto, o problema está em ignorar que o público sênior também é consumidor de sabonete, shampoo, bebidas, viagens, carros, cartões de crédito, restaurantes ou celulares, por exemplo. Isso mostra que talvez caiba uma reflexão a respeito da nova cara do consumidor brasileiro de hoje e do futuro. Assim como a publicidade reviu ao longo das décadas o papel da mulher na publicidade e o cinema inverteu o glamour dos fumantes, é possível que com o novo desenho demográfico do Brasil e do mundo a representação quantitativa e simbólica dos sêniores venha a mudar também.

Há números concretos em relação ao volume de recursos ainda não explorados que poderiam ser movimentados caso esses indivíduos mais velhos fossem mais bem “aproveitados” comercialmente?

Alexandre Correa Lima – Há diversos estudos nesse sentido, embora no Brasil esse tipo de estatística ainda esteja num estado um bocado embrionário. Uma pesquisa recente calculou que o “Mercado Prateado” gire anualmente em torno de 1,6 trilhão de reais. Ou seja, é um mercado trilionário e com pouca gente olhando adequadamente para ele. Um estudo recente da PwC e FGV constatou que o País poderia aumentar seu PIB em até R$16 bilhões se contratasse mais idosos.

Num momento em que se discute a reforma da previdência pública, como lidar com esse público a fim de conscientizá-lo sobre os desafios que estão por vir em se tratando de renda na aposentadoria?

Alexandre Correa Lima – A reforma está na pauta do Brasil e é fundamental que se discuta o assunto. Mas infelizmente o clima contaminado da política e o discurso raso e parcial não estão permitindo debater o assunto com a profundidade e imparcialidade que o tema demanda. Não existe debate, e quando há é raso, parcial e maniqueísta. Todos querem reforma desde que não renunciem a nada, nem que seja por um benefício coletivo maior no futuro. Recentemente analisei uma pesquisa que mostra que o brasileiro é um dos povos que menos poupa em todo o mundo e um país no qual mais se penhora o futuro em nome de uma fruição imediata. E delegar o futuro para um gestor como o poder público não parece uma ideia muito interessante. Eu acho que o currículo das escolas deveria incorporar uma dimensão mais ampla da cidadania, ensinando educação financeira, empreendedorismo e o valor do dinheiro e do trabalho ao longo do tempo, o que quase inevitavelmente vai passar por uma cultura de maior poupança e de utilização de instituições de previdência privada como complemento à aposentadoria oficial.

Qual deveria ser a abordagem de marketing em se tratando de produtos da Previdência Complementar Fechada, considerando que as pessoas, ao viverem mais, podem vir a aderir a planos de pensão mais tardiamente?

Alexandre Correa Lima – Creio que a consciência antecede a compra, principalmente em produtos financeiros, onde o impulso é baixo e o nível de cognição elevado. Posso comprar uma roupa por impulso, mas não um fundo de renda fixa ou um plano de aposentadoria que usarei daqui a vinte anos. E aqui acho que reside um dos desafios a superar, que é o cultural. Durante muito tempo convivemos com uma cultura inflacionária, onde a meta era se livrar o mais rápido possível do dinheiro porque ele derretia na mão. E a população com mais lembrança emocional desse período é justamente aquela acima dos 40, 50 anos. Uma série de estudos tem mostrado que o Brasil é um desenvolto gastador e um péssimo poupador. E não dá para justificar isso apenas sob o prisma da renda baixa, já que mesmo os estratos mais ricos poupam muito pouco. Então temos um paradoxo: cada vez mais gente se preocupando com a saúde, atividade física e alimentação saudável para poder viver mais e melhor e ao mesmo tempo uma atitude financeira no limiar do negligente. Como será o futuro sem uma retaguarda financeira?

Além dessa questão, temos a tradição de confiar nosso futuro na mão do Estado. Eu acho que temos que aprofundar a Educação Financeira e sedimentar uma cultura de autogestão financeira. Parece difícil, mas não é impossível. Veja o exemplo do cigarro. Não faz muito tempo se fumava em todo lugar, de cabines de avião a festinhas infantis. Essa cultura se inverteu. Acho também que, dado o baixo nível de cultura financeira, os players têm que ser mais didáticos na venda desse produto, que tem uma engenharia um pouco mais complexa. Trata-se de construir uma narrativa, um story telling, mostrar que você está guardando dinheiro para si mesmo. A gente ouve a história da cigarra e da for anúncio biblioteca digital miga desde criancinha e todo dia se fala que as pessoas viverão mais e a previdência está quebrada, ou seja, só falta juntar “lé com cré”. Creio que a indústria tenha que se oxigenar também, pensar novos produtos que respondam à complexidade e à dinâmica do mundo atual. O mundo dos sêniores é de uma diversidade muito grande, abordagens estereotipadas não vão funcionar sempre. A vida não está mais compartimentada em caixotes etários como no passado. Se você quiser fazer faculdade aos 60 anos, você pode. Se quiser se apaixonar, pode também. E se quiser poupar e pensar no horizonte futuro (que está cada vez mais largo), também pode.


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