Os profissionais que depois dos 60 anos abriram um negócio digital


‘Corpo não é o mesmo, mas a mente nunca definha’

Startup, coworking, big data, cloud computing, firewall, chatbot, malware, negócio digital … até pouco tempo, esses termos eram utilizados mais comumente pelos jovens. Hoje em dia, no entanto, eles têm feito parte do dia a dia de muitos dos que passaram dos 60 anos, e olha que no Brasil já são mais de 30 milhões, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O fato é que é o aumento da longevidade – só para se ter uma ideia, a expectativa de vida no país subiu de 45,5 anos em 1940 para 75,8 anos em 2016 -, a queda da taxa de fecundidade (a projeção para este ano é de 1,77 filho por mulher e, em 2060, 1,66) e a melhora na saúde como um todo estão promovendo mudanças na sociedade, fazendo com que uma grande parcela da população idosa adie a aposentadoria e empreenda, em especial na área de tecnologia e, mais ainda, na de negócios digitais (ou online).

A pesquisa qualitativa e quantitativa “Tsunami Prateado”, conduzida pela Pipe.Social e Hype60+ com 2.330 entrevistados, mostra exatamente isso. Pelos dados computados, um em cada 4 (25%) declarou que deseja ter sua própria empresa no futuro, e muitos estão criando negócios inovadores, até por conta da dificuldade em encontrar produtos e serviços que atendam as suas necessidades.

É o caso de Veronique Forat e Marta Monteiro, de 61 e 64 anos, respectivamente. As duas desenvolveram a plataforma de residência compartilhada morar.com.vc, que conecta pessoas com base nas suas características, demandas e afinidades para morarem juntas em “cohousing” ou “coliving”.

Elas se conheceram em julho de 2016 no workshop “Reinvenção do Trabalho 60+”, do Lab60+, e perceberam que tinham algo em comum, além de energia de sobra e vontade de continuar trabalhando, de preferência em algo diferente do que já faziam: o interesse por novos modelos de moradia.

“Vimos aí uma oportunidade, mas, antes de dar qualquer passo, fizemos uma pesquisa informal para verificar se havia mesmo mercado para isso. Em 10 dias, recebemos 1,2 mil respostas, das quais 85% eram positivas. Depois, criamos um site, mesmo sem experiência nenhuma, e fomos atrás de apoio”, conta Veronique.

Para a empreendedora, que atuava na área de marketing de relacionamento – sua sócia era do mercado imobiliário -, iniciar um novo negócio depois dos 60 anos tem algumas vantagens.

“Nossa bagagem é maior. Fora isso, é uma maneira de acabar com estereótipos errôneos sobre o que é envelhecer. Ser velho não tem de ser algo depreciativo e, com o aumento da longevidade, estamos chegando em idades mais avançadas de uma forma diferente, com saúde, disposição e ainda tendo muito a contribuir profissionalmente.”

Veronique destaca ainda que não é preciso ser expert em tecnologia para ter um negócio digital. “No nosso caso, não estamos inventando um hardware ou um software, mas apenas utilizando a tecnologia para preencher uma necessidade, com o benefício de atender em uma escala maior, com um custo mais baixo e de forma mais fácil e rápida.”

Oportunidades para todos

Outro profissional sênior que enxergou uma oportunidade no mundo online foi Paulo Camiz de Fonseca, de 67 anos. Engenheiro formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e administrador pela Fundação Getulio Vargas (FGV), ele, junto com o filho, o clínico geral e geriatra Paulo Camiz de Fonseca Filho, criaram há cerca de dois anos e meio o Mente Turbinada.

Trata-se de um aplicativo que ajuda a exercitar o cérebro, por meio de jogos 3D, com o objetivo de prevenir e reabilitar doenças neurológicas, melhorar a performance profissional e auxiliar a concentração e a memorização. Inicialmente desenvolvido para a terceira idade, ele pode ser usado por pessoas de qualquer faixa etária.

Recentemente, a dupla também lançou o Attena, sistema de avaliação cognitiva de perfil de pessoas que estão em busca de uma vaga no mercado de trabalho, a fim de facilitar a contratação por parte das empresas. O programa analisa o grau de concentração e de atenção, a memória de curto e longo prazos, a capacidade de aprendizado e como está a percepção, o raciocínio e a velocidade de processamento mental do candidato.

“Estamos cada vez mais dependentes da tecnologia, tanto na parte pessoal quanto na profissional, e empreender em uma área diferente seria até um contrassenso. As possibilidades estão aí, basta ficar atento, independentemente da idade. Eu, por exemplo, sou um jovem de 67 anos”, declara Camiz em tom bem humorado.

Sempre atuando na área de informática, Kazuo Kaneto, de 71 anos, empreendeu pela primeira vez aos 60 anos de idade, quando criou o sistema de gestão escolar Babica. Uma década depois, ele decidiu que era hora de se aposentar e passou o comando da empresa para os filhos. Mas o descanso durou pouco.

“Cheguei num ponto em que eu podia passear, viajar ou ficar sem fazer nada, mas não era isso o que queria. Então, apaguei todo o passado e recomecei. Passei quase um ano estudando o mercado digital e tive a ideia de nova ferramenta para a área de educação, para que o professor possa acompanhar a evolução do aluno com base em habilidade e competência”, revela.

Segundo Kaneto, não existe idade para aprender e empreender. “Claro que o corpo físico não é mais o mesmo, exigindo que a gente diminua o ritmo. Mas com a mente não é assim, ela não definha. Quando a treinamos, conseguimos avolumar o nível de conhecimento”, complementa.

Empreendedores da terceira idade

De acordo com a pesquisa Empreendedorismo na 3ª Idade, realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), no geral, são quatro os motivos que levam uma pessoa com 60 anos ou mais a continuar empreendendo ou mesmo iniciar-se neste caminho: ter uma fonte de renda ou complementar a renda familiar, identificação de uma área ou segmento bom para investir, questões pessoais (mais independência, qualidade de vida e liberdade) e concretização de um sonho, objetivo ou vocação.

O levantamento ainda demonstra que 40% dos entrevistados resolveram montar um negócio próprio após os 60 anos. Dentre os pontos positivos dessa empreitada, eles disseram trabalhar com o que se gosta (18%), poder aprender sempre com os erros e acertos (14%) e ter a sensação de satisfação por ter alcançado os objetivos (14%). Os negativos foram ter que assumir sozinho as frustrações e os fracassos (15%), pagar impostos (13%) e correr riscos (11%).

“Temos realmente percebido as pessoas empreendendo em idades mais avançadas, pelas razões citadas no estudo, e também porque elas querem aproveitar a experiência profissional e empresarial que adquiriam ao longo da vida. Fora isso, muitos sempre tiveram o desejo de empreender e não tiveram oportunidade antes”, expõe Vinicius Lages, diretor de Administração e Finanças do Sebrae.

Quando se trata da área de tecnologia, ele comenta que barreiras têm sido quebradas por conta da democratização de ferramentas que antes precisavam de um grande domínio. “Os empresários mais velhos estão começando a explorar melhor os negócios conectados. E, apesar de não serem nativos do mundo da internet, eles sabem que ela é fundamental para o sucesso”, complementa.

Rodrigo Garzi, cofundador do Alto Tietê Valley, comunidade de startups da região do Alto Tietê, em São Paulo, e coordenador do Polo Digital de Mogi das Cruzes, que, atualmente, conta com 1,5 mil pessoas inscritas, sendo 10% com 60 anos ou mais – Kazuo Kaneto é uma delas -, avalia que este é mesmo um ótimo segmento para se investir, inclusive em idades mais avançadas.

“São muitas as possibilidades, sem contar a flexibilidade, tanto de local quanto de horário, e os idosos ainda têm uma vantagem em relação aos jovens. Como estão no mercado há mais tempo, conhecem certos atalhos, dão valor a processos e organizações e têm mais conexões e network”, observa.

A pesquisa do Sebrae pontua que estes profissionais também se diferenciam por serem mais seguros e corajosos e por terem credibilidade, mais tranquilidade, liberdade e respeito.

Dicas para quem quer empreender em um negócio digital

Para quem quer começar a empreender em algum negócio digital, algumas recomendações são necessárias, e isso independe da idade.

Lages indica pesquisar, se preparar ao máximo e entender o mercado e seus riscos. “O interessante é que na nova economia não é preciso fazer grandes investimentos em equipamento e estoque. Por outro lado, exige um cuidado maior com o cliente, pois ele se tornou mais exigente”, acrescenta.

Renata Zanuto, head de startups do Cubo Itaú, um dos maiores hubs de fomento ao empreendedorismo tecnológico da América Latina, aconselha o futuro empreendedor a se envolver no ecosistema das startaups. 23% das startups residentes do hub têm profissionais na faixa etária mais sênior, diz Zanuto.

“Ele deve participar de eventos, se engajar em alguma comunidade ou grupo e estudar para adquirir conhecimento, além de fazer contatos e parcerias e estar aberto a colaborações, a compartilhar e ouvir as ideias de quem está em volta”, finaliza.

 

* Texto publicado originalmente no portal BBC, por Renata Turbiani, e reproduzido no blog Revolução Prateada.

 

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